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ESCANÇÃO É O MESMO QUE SOMMELIER?

O Escanção - Apontamentos para a sua História (Artigo Compilado)

 

Texto: P. Moreira das Neves

Quando hoje entramos na sala de jantar de um hotel ou de um restaurante de luxo e nos sentamos à mesa, logo vem ter connosco o sommelier, todo solene, de medalhão de prata suspenso ao pescoço por complicado colar. É do catitismo nacional chamar ao homem um nome francês, como se não dispuséssemos de termo secularmente consagrado em documentos e na melhor prosa dos clássicos.

Mas temos, e desde os alvores da Monarquia: é o Escanção. Perdeu-se a palavra, no uso corrente, desde há muito, como tantas outras o têm injustamente perdido na enxurrada lexicológica estrangeira que por todos os lados nos tem invadido os dicionários e a fala.

 

Não são unânimes os filólogos quanto à origem do vocábulo, que significa aquele que repartia o vinho, que deitava o vinho nas taças dos convivas (Morais).

Santa Rosa de Viterbo (Elucidário) regista escanção e escançom, observando (…) que do verbo scenken, que para os alemães significa vinum fundere, se formou na baixa latinidade Scancio, scancius e scancionarius, o que lança o vinho; e scancionaria ou scançaria, a casa em que se distribuía o vinho no palácio de um Príncipe. Diz o Cardeal Saraiva (Obras Completas, tomo IX, 1880, pág.131): alguns o derivam do céltico, outros do alemão (…). No código wisiogothico (…) se lê comes scanciarium, que corresponde a copeiro-mor. O antigo romance francês dizia eschançon, que na baixa latinidade se traduzia por scancio. Para Antenor Nascentes (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa), escanção vem do gótico skanja, copeiro. O francês échanson é do franco.(…)

De escanção derivaram os verbos escançar, escancear ou escanziar – repartir o vinho; encher os copos.

 

Na mitologia e na Bíblia       

 

Na mitologia, vemos Júpiter raptar Ganimedes, filho de Tros, e, depois da morte de Hebe, dar-lhe o emprego de escanção que pertencia à deusa. Na Grécia e em Roma, o cargo era exercido por efebos, geralmente escravos dotados de beleza física. Remontando-nos aos tempos bíblicos, vemos que o escanção era grande oficial da corte dos monarcas orientais (Assíria, Egipto, Palestina). (…)

 

Na França e outros países

 

O mesmo cargo de escanção existia entre os godos. (…) Em França, havia o escanção-mor a cuja autoridade se submetiam outros, como sucedia no reinado de Carlos Magno. Foi principalmente no reinado de S. Luís que o escanção-mor se tornou personagem importante. (…) Tendo mais tarde caducado, o ofício de escanção-mor foi restabelecido por Luís XVIII nos primeiros anos do século XIX, mas foi definitivamente eliminado em 1830. (…) Na Irlanda, o cargo oficial foi dado a Teobaldo Walter, que juntou o nome de Butler (copeiro) ao seu próprio nome.

 

Em Portugal

 

O primeiro escanção que houve em Portugal, feito por D. Afonso Henriques, parece ter sido Fernão Peres, cavaleiro que gozava do maior prestígio.

(…) Sob a denominação genérica de ovençais de el-rei compreendiam-se, no século XIII, todas as pessoas que intervinham na administração da casa e fazenda real, uma das quais era o escanção (decreto de 1211).

(…) Em 1278 havia o scançanus maior entre os oficiais do sucessor da Coroa (Documento publicado na Monarquia Lusitana, V, escript. 5ª no Ap., fol.304).

Aclamado rei em 1385, logo o Mestre de Avis proveu os ofícios da sua casa e os cargos públicos a que mais importava atender. Entre os ofícios figurava o de copeiro-mor.

(…) Na época de D. Afonso IV, segundo a crónica de Duarte Nunes de Leão, surge o primeiro copeiro-mor na pessoa de Fernão Gonçalves, o cargo de copeiro era mais amplo do que o do escanção, mas por vezes confundiam-se.

 

(…) O tempo e as modas fizeram esquecer o velho escanção das Cortes reais. (…)

Ainda bem que a Junta de Turismo das Caldas da Felgueira, por iniciativa do seu presidente, dr. Eurico José de Loureiro e Amaral, já falecido, resolveu apontar-lhe o nome e consagrar-lhe, em 1966, no Largo General José Tavares da vila de Nelas, um monumento, apresentando-o de trajo à moderna, com a tambuladeira simbólica. No plinto, a legenda de homenagem: Ao Escanção Por Bem Servir. Na constituição heráldica das armas de Nelas entram, no chefe, dois cachos de uvas de púrpura e folhados de verde, e, no contrachefe, um cacho igual. Quer isto dizer que Nelas tem como honra ser terra de bom vinho. Também agora se pode orgulhar de ter levantado ao escanção o primeiro monumento do mundo.

Pouco antes, a Colegiada de S. Martinho tinha ressuscitado, nos seus Estatutos, o nome do Escanção. A administração da Colegiada é constituída por um Capítulo, correspondente à Assembleia Geral, e por uma Comendadoria, correspondente ao Conselho de Administração. Deste faz parte o Escanção, que terá especial competência para organizar a vinoteca, dirigir superiormente as provas de vinhos em todas as manifestações apropriadas e velar pela escançaria. (…)

 

Pensará alguém que tudo isto são maravalhas inúteis e que não valerá a pena trazer à ribalta um arcaísmo quase milenário.

Tudo vale a pena, quando se trata de acautelar os direitos da Língua Portuguesa, que, para ser bela e prática, não precisa de recorrer aos dicionários estranhos.

No seu romance histórico Ódio Velho Não Cansa, descreve-nos Rebelo da Silva (cap.IX, III) um banquete na sala de Santa Olaia, do Castelo de Coimbra: (…) escanções enchem taças, circulando-as em redor.

Reconstituía o grande romântico uma cena do século XIII, o que torna lógico o emprego da palavra da época, como faria Alexandre Herculano, seu mestre.

Em todo o caso, fez o que todos devemos repetir: deixar o sommelier à pretensão ignora dos indígenas e chamar simplesmente e patrioticamente pelo Escanção.

A Origem dos nomes são diferentes mas designam o mesmo profissional. Na Espanha  é "Sumiller" e em alguns países também se pode dizer "Échanson"

A palavra Sommelier vem do francês. Em resumo, o carroceiro dos castelos e palácios, que, por transportar as barricas de vinho, acabou sendo nomeado para provar seu conteúdo antes que fosse servido aos Reis e nobres. 

Quando da popularização dos restaurantes em Paris, no final do séc. XVIII, convencionou-se que quem trazia ou transportava o vinho ficava com a obrigação de prová-lo, não só pelo motivo exposto acima, mas também para garantir se o produto era de boa qualidade.

Assim, paulatinamente, nasceu a profissão como é conhecida hoje; o Sommelier é responsável pela escolha, compra, recebimento, guarda e pela prova do vinho antes que seja servido ao cliente.

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